Depois que finalmente escrevi aquele conto, comecei a me fazer vários questionamentos. E eu tenho uma mania (um pouco feia) de só conseguir pensar com clareza quando estou com raiva. Acho que, depois daquela sensação de alívio por ter compreendido a tristeza, por ter, de certa forma, me despedido de mim mesma e dito adeus, ainda restava algo me incomodando.
Acima de tudo, percebi que a minha maior dor era ter aberto mão dos meus sonhos. E não estou falando dos do dia a dia — mas daqueles sonhos escondidos, que guardamos só para nós, e sobre os quais passamos horas nos imaginando em cenários que talvez nunca existam, mas que secretamente torcemos para que um dia se tornem realidade.
O que mais doía era dizer adeus à minha imaginação. E o pior: eu achei que isso era o certo. Achei que era a solução. E aí, meus caros leitores, naquele luto, entramos na fase da raiva.
Raiva por achar injusto ter que abrir mão dos meus sonhos porque “perdi o timing”, ou porque achei que estava “velha demais” para sonhar. E então me perguntei: afinal, o que é a idade certa? E a mais importante: existe idade certa?
Percebi que, assim como tantas outras pessoas, coloquei um limite invisível na minha cabeça — aquela famosa idade em que tudo deveria acontecer. No fim das contas, acabei sendo só mais uma que caiu no discurso que sempre critiquei.
Comecei a escrever sobre isso. Sobre as inúmeras vezes em que a gente pensa em realizar um sonho ou buscar uma nova oportunidade, mas trava, porque acha que “o tempo já passou”. A memória de um fracasso ou o peso do julgamento alheio pairam sobre nós. Mas cada pessoa carrega sua própria história. Nem todo mundo teve a chance de experimentar certas fases no tempo “certo”.
Fiquei refletindo sobre quantas coisas talvez eu tenha perdido por causa das situações que vivi na infância ou adolescência. E quantas pessoas também não tiveram sequer a chance de sonhar? Então por que elas deveriam ser impedidas agora? Desde o sonho mais simples até aquele mais improvável, por que deixamos de sonhar? Por que acreditamos com tanta força que, se não deu certo antes, então fracassamos?
Por que não conseguimos enxergar que talvez só precisávamos de tempo? De maturidade. De estabilidade. De sorte — se é que vocês acreditam nela.
Por que isso precisa significar que somos inadequados, quando na verdade as oportunidades foram desiguais? Sejam por questões financeiras, emocionais, familiares ou tantas outras.
Por que carregamos essa régua cruel que nos diz que perdemos a grande chance da vida — quando, na verdade, a vida pode nos oferecer outras chances, em outro momento? Talvez dê certo, talvez não. Mas por que excluímos totalmente a possibilidade de tentar de novo?
Isso vai se transformando numa bola de neve. Uma sensação de que nossa liberdade está sendo tirada. Somos livres… até que ponto? Temos mesmo liberdade para escolher nossos caminhos, ou estamos sempre tentando caber no que é “esperado”?
E o pior: quanto mais abrimos mão de nós para atender as expectativas dos outros, mais nossos sonhos são adiados. Até que a gente simplesmente desiste deles — achando que o tempo já passou. E, quando percebemos, já estamos com medo de parecer ridículos por tentar. Com vergonha de frustrar expectativas que nem são nossas.
Muita gente sente que teve experiências “roubadas”. Porque precisaram amadurecer cedo demais. Porque nunca tiveram a chance de viver com leveza, de errar com segurança, de experimentar no tempo certo. Em algum momento, algo ou alguém impôs uma realidade dura. E a gente seguiu em frente, porque era o que dava pra fazer. Mas, nesse caminho, deixamos pedaços nossos para trás. Então por que seria tarde demais recuperar aquilo que nunca tivemos a chance de viver?
Foi nesse ponto que comecei a me perguntar: por que estou abrindo mão de algo que, no fundo, eu não queria abrir?
Entendi, então, que aceitar que algo não volta não significa que não posso continuar sonhando. Que não posso tentar de novo. E que, nas horas vagas, posso me permitir fazer coisas simples, até bobas, mas que me fazem feliz. Porque, sinceramente, por que não?
Tudo isso veio à tona depois de uma conversa com meus pais. Eu estava me sentindo um fardo — especialmente porque minha vida profissional não estava indo como eu esperava. Iludida que sou, acreditei mesmo que, ao terminar a faculdade, teria minha independência financeira, com mil e um pacientes. Mas, pasmem: não tive. E isso me frustrou. Muito.
E, no meio disso, surgiu um medo: o de acharem que eu estava tentando outra coisa porque “fracassei” profissionalmente. Quando, na verdade, eu só queria fazer as duas coisas. Uma não invalida a outra. Mas achava que seria vista assim. E, pior ainda, achava que decepcionaria meus pais.
Foquei tanto nisso que não percebi que era uma cobrança minha. E conversando com eles, percebi que estava tudo bem.
E o que ambos me mostraram foi que o meu maior defeito talvez seja não conseguir enxergar em mim o potencial que eles — e tantas outras pessoas — enxergam. E que isso dói mais neles do que se eu, de fato, falhasse. Porque no fim das contas, o problema é que eu nem tento. E deve ser frustrante pra quem acredita em mim me ver parada, me sentindo uma fraude. Morrendo de medo das pessoas descobrirem que talvez… eu realmente não tenha talento algum.
E foi uma frase da minha mãe que virou a chave:
“Filha, você não precisa se provar para ninguém.”
Aquilo me marcou. Me lembrou de tudo que já construí. Dos altos e baixos, mas também da minha força. Porque é isso que tento lembrar o tempo todo. Por mais que eu venha aqui contar minha trajetória, ou que você, aí do outro lado, conte a sua um dia… só nós sabemos o que enfrentamos, por tudo que passamos e deixamos de passar.
As pessoas podem até imaginar (a velha e clássica empatia). Mas saber de verdade o impacto de uma dor? Isso só quem viveu sabe. Só nós sabemos os detalhes, as durações, os sufocos. E toda a resiliência que foi necessária para estar aqui, chegar onde chegamos. E então me questionei: Por que estou sempre tentando me provar? E, principalmente: para quem?
Percebi que eu estava tentando me provar para mim mesma.
Mas para uma versão idealizada de mim… que nem existe. E quando entendi isso — de verdade, não só da boca pra fora — percebi que era eu quem estava me cobrando. Era eu quem nunca estaria satisfeita. E foi aí que dei um basta.
Entendi que tudo tem seu processo. Que, apesar da minha ansiedade, preciso viver cada etapa. Um passo de cada vez. E, principalmente, valorizar toda a minha história — minhas lutas, conquistas, qualidades. Porque, se nem eu fizer isso… quem fará?
É por isso que, hoje, acredito que minhas antigas tentativas não foram em vão. Sim, de certa forma posso chamá-las de falhas. Mas hoje percebo que também foram aprendizados.
Em cada uma delas, descobri algo novo sobre mim. Me desenvolvi. Aprendi o que quero levar comigo. Elas são a prova de que recomeçar está tudo bem. Que a gente pode errar, apagar tudo e tentar outra vez. E tantas outras vezes quanto for necessário.
Acho que tenho essa mania — apagar, recomeçar, dar um novo nome, criar um novo projeto. Mas percebo que cada blog, cada Instagram, cada tentativa… representava uma versão minha em construção. E esta também representa. E como sou organizada, gosto de deixar tudo registrado. Como lembrança do que aprendi. Do que quero guardar. Mas também do que fui e de como evoluí.
E foi assim que surgiu o Outrora. Como o início de uma nova fase.
Uma fase em que, acima de tudo, escolhi me priorizar. Me reconhecer. Me permitir. Me entender. E valorizar tudo aquilo que é importante para mim. E convido você a fazer o mesmo — mas obviamente não porque estou dizendo, mas por você!