Outrora Ateliê

Bom, falamos muito sobre o quanto estou determinada… mas, claro, nem tudo são flores. Bom, podem até ser, agora que meu jardim tem pequenas mudas brotando. Mas no começo, o meu jardim estava morto.

Parece fácil agora, quando chego cheia de positividade e esperança. Mas alguns meses atrás, eu estava no meio de uma crise existencial. Toda virada de chave exige um processo. E, como bem sabemos, todo novo enredo começa explicando como se chegou até aqui — e por que, então, esse “aqui” seria diferente?

É engraçado pensar que, ao longo da vida, passamos por diversos lutos sem sequer perceber. Quando ouvimos a palavra luto, pensamos imediatamente em morte. Mas esquecemos que ela está profundamente ligada à ideia de perda.

De certa forma, eu passei por um luto no início deste ano. Um luto por quem eu fui um dia. E acredito que precisei vivê-lo para conseguir “seguir em frente” e me tornar essa nova versão que sou hoje.

Por muito tempo, passei horas me perguntando por que não conseguia voltar a ser aquela pessoa de antes — criativa, sonhadora. Mesmo me reinventando aqui e ali, mesmo achando que estava pronta para mudar… no fundo, ainda carregava a necessidade de resgatar aquilo que perdi. Ou pior: aquilo que eu achava que poderia ter sido… e não fui.

Esse apego me levava, repetidamente, de volta ao lugar da frustração. Porque, por mais que eu tentasse, eu nunca conseguiria ser exatamente quem eu fui. E isso me revoltava. Ora, como isso podia ser tão difícil, se eu era literalmente a mesma pessoa — só tinha crescido? Então por que esse processo era tão doloroso? E era difícil pra caralho.

Porque, embora eu dissesse aquele papo de “claro, amadureci, não vou ser igual”, por dentro… eu queria, sim, ser igual. Foda-se que não dava, eu queria. E não era por imaturidade — era porque, em algum ponto do caminho, eu sentia que tinha me perdido.

Como alguém que já teve a cara de pau de sair perguntando PESSOA POR PESSOA quem achavam que era a mais popular da escola… ou até mesmo FICAR DE JOELHOS e implorar para um jornalista me entrevistar (vergonhas alheias, eu sei — mas é esse o ponto)… como alguém assim passou a quase morrer de ansiedade por ter que fazer coisas básicas do dia a dia? Tipo perguntar a uma vendedora se tem meu tamanho. Ou levantar a mão para fazer uma pergunta na sala de aula?

Isso me deixava inconformada.

Então eu precisei me matar. Não literalmente, claro. Estou aqui escrevendo. Mas simbolicamente, eu precisei velar aquela versão antiga de mim. E, ironicamente, isso foi fundamental para que eu conseguisse atravessar o luto.

Passei por todas as fases.

Negação, tentando acreditar que aquela parte de mim poderia voltar num passe de mágica. Parte de mim só queria se agarrar à ideia de voltar no tempo (EU SEI QUE NÃO DÁ PRA VOLTAR NO TEMPO, MAS EU QUERIA), nem que fosse por cinco minutos, só pra reviver a sensação de ser quem eu era: determinada e sem ansiedade.

Depois veio a barganha. Achei que, se fizesse tudo exatamente igual, talvez recuperasse aquela versão. Estava disposta a tudo. Ok, talvez não a tudo racional já que cheguei a implorar ao universo que abrisse uma exceção para mim. Obviamente, não aconteceu.

A tristeza chegou com força. Acreditava que tinha me perdido para sempre, que nunca mais seria aquela pessoa que eu tanto admirava — e que acreditava ter um potencial enorme. Passei horas (ok, dias… talvez semanas — não vou falar o tempo real, porque pode assustar). Mas eu realmente estava de luto. Chorava como se parte de mim tivesse, de fato, morrido. Perdi poucas pessoas na vida, e sei que isso não se compara à dor de perder alguém de verdade. Mas era uma sensação de ausência tão profunda, como se ela tivesse ido embora pra sempre.

E, claro, como sempre faço quando não entendo algo: escrevi. E disso, surgiu um conto.

No começo, eu nem sabia o que estava vindo, apenas deixei fluir, e ele foi tomando forma. Talvez, no fundo, fosse uma tentativa de recuperar aquela versão de mim. Porque, convenhamos, é difícil aceitar que nunca mais seremos exatamente quem já fomos. Às vezes seremos melhores, às vezes piores, às vezes quase iguais — mas nunca exatamente a mesma pessoa.

Queria resgatar meus sonhos. Mais que isso: queria a liberdade de sonhar — mesmo que o sonho parecesse ridículo. Sentia que não tinha aproveitado o tempo como deveria. Que desperdicei minhas chances de sonhar, mesmo sendo uma sonhadora. Chorava pelo tempo perdido. Pelo que não volta mais. E isso me doía.

Como pude ser tão tola? Como não aproveitei o que tinha nas mãos? Eu só queria mais tempo. Uma última chance para viver aquilo, mas agora sabendo que seria a última vez. Só que, conforme fui escrevendo e dando forma àquela dor, comecei a entender: ela se foi. E só então comecei a aceitar isso.

Algo que sempre me assombrava era: por que aquela menina criativa parecia tão distante agora? Na teoria, “ser” parecia simples. Mas, na prática, a cada dia ela ficava mais longe. Eu não queria a imaturidade de antes, eu queria a coragem. A determinação de acreditar em mim. De desafiar tudo e todos por algo em que acreditava. Mas sempre vinha a dúvida: será que, no fim das contas, tudo seria tão diferente assim?

As pessoas acham que o luto tem uma ordem certinha. Tô aqui pra dizer: não tem. Sim, existem fases. Mas a forma como elas chegam é única. Porque, por mais que a vida tente nos impor um passo a passo, nem tudo segue uma lógica — e o luto não seria diferente.

Comecei a aceitar que o tempo não volta. Afinal, a máquina do tempo ainda não foi inventada, né? E, sinceramente? Mesmo que fosse, não sei se eu voltaria. Porque sei que todas essas experiências me moldaram. Me tornaram melhor. Mas isso não anula a dor de sentir que perdi algo.“Velar-se”, como intitulei o conto, foi minha forma de dizer adeus àquela menina que um dia fui. Mas foi mais do que isso: foi um ritual de encerramento. Um jeito de finalmente compreender que o que vivi foram momentos. E que posso passar a vida me punindo por desejar algo que não volta — ou aceitar. E tentar, daqui pra frente, fazer diferente.

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